...que comprei numa das pouco habituais visitas àquela loja onde os empregados andam de colete.
A bem da verdade os "três clássicos", enfim... afinal até são dois.
O que coloca diversas questões: de que forma um melómano mais ou menos compulsivo gere o seu orçamento mensal, entre novidades e clássicos que nunca adquiriu? Ou, por outras palavras, entre mp3's e cassetes gastas, o que deverá prevalecer como suporte a substituir à primeira oportunidade? Entre o novo e o antigo como se equilibra um orçamento limitado e variável e como se definem as prioridades?
Adiante...
James Brown . Motherlode (Universal, original 1988 compilation, expanded 2003 edition)
Mais uma compilação de JB, distribuída no tempo, algures entre o final da década de 60 e o inicio da década seguinte, com versões ao vivo, remixes, alternate mixes e instrumentais. Sobre James Brown e a sua banda (The J.B.'s) não há nada a dizer que nunca tenha sido dito (geniais, extraordinários, sublimes e restantes sinónimos, nada disso é exagerado), sobram as músicas: "Say It Loud" aqui numa versão ao vivo gravada na Georgia, "There It Is" gravada live no mítico Apollo Theater em NY, "Since You Been Done" em dueto com
Bobby Byrd, "You Got To Have a Mother For Me" funk up-tempo com uma secção rítmica (Charles Sherrell no baixo e Nate Jones na bateria) imparável (o break que surge por volta dos 3 minutos pede desesperadamente para ser ouvido em loop durante 2 horas), uma versão instrumental de "Funk Bomb" e uma curiosa versão de "People Get Up And Drive Your Funky Soul" da banda sonora do filme
"Slaughter's Big Ripoff" extendida por mais de 9 minutos, numa mix ligeiramente menos
raw do que o material original. No objectivo, porventura irrealizável, de ter a discografia completa de Brown, este já está. Faltam agora os outros dois mil, seiscentos e trinta e quatro discos.
Beastie Boys . Licensed To Ill (Def Jam, 1986)
Em 1986 os Beastie Boys tinham menos 18 anos do que hoje e, por coincidência, eu também. Lembro-me vagamente de ver os videos de "Fight For Your Right" e de "No Sleep Till Brooklyn" no Vivamúsica (?) e de, uns anos mais tarde, um amigo me ter gravado uma cassete com este disco. O resto é história: um trio de brancos imberbes a misturar rap, punk e metal, letras polémicas (mais tarde esta classificação foi alterada ligeiramente para " letras irónicas"), o primeiro disco da história do hip hop a atingir o número um no top de vendas (alguém me confirma esta efeméride?), riffs viscerais (Black Sabbath? Led Zeppelin? The Clash com certeza), os
skills do produtor Rick Rubin (um metalhead que formou a Def Jam, juntamente com Russell Simmons), todo um mundo novo que já tinha sido desenvolvido, por exemplo, pelos Run-DMC mas que, nunca como na pronuncia anasalada destes 3 MC's, soou tão bem. Melhor do que tudo, é descobrir quase 20 anos depois, como a marca hedonista e o rótulo de descoberta genuína se mantêm inteiramente válidos. "License To Ill" envelheceu devagar e conserva o estatuto de eterno adolescente.
VA . Nicky Siano's, The Gallery (Soul Jazz, 2004)
Um texto recente na habitualmente interessante
Brainwashed referia, por outras palavras, que a editora Soul Jazz se limitava a ser uma versão trendy e cool e ao dobro do preço daquelas colecções de discos "temáticos" que se encontram à venda em qualquer supermercado; a Soul Jazz seria, portanto, a
K-Tel da nova geração.
Black music for white people, como afirmou, um dia e noutro contexto, Screamin' Jay Hawkins.
A "Gallery" do título desta compilação é um dos mais emblemáticos
clubs da história da música de dança. Simplificando: em conjunto com o Loft de David Mancuso e do Paradise Garage de Larry Levan, o The Gallery ajudou a definir a cena da música de dança underground de NY em meados da década de 70, através da mistura de soul, r'n'b, gospel e funk, originando uma cultura descomplexada que está na génese, por exemplo, de fenómenos novos para a época como o disco.
Nicky Siano geria o
club e o seu talento nos turntables, o seu instinto numa selecção musical irrepreensível e colaborações em grupos como os influentes Dinosaur, tornaram-no num dos primeiros DJ a atingir o estatuto de estrela. O que nos leva ao inicio deste texto: marketing ou espirito de missão na recuperação de pérolas perdidas, digest de consumo imediado ou formador de novos gostos e espiritos curiosos, o que é certo é que o trabalho da Soul Jazz é, uma vez mais, meritório. Feito o balanço final e excuindo juízos de valor sobre o trabalho da editora, a verdade é que um disco que inclua nomes como The Temptations, Loleata Holloway, Pointer Sisters, The Isley Brothers, Bobby Womack, The Supremes ou Bill Withers dificilmente será um disco menos do que vibrante.