Audion é o pseudónimo do texano Matthew Dear. Se os discos em nome próprio são a vertente user-friendly e familiar de Dear, Audion é o seu alter-ego insolente e provocador. “Suckfish” – o primeiro álbum que incluía os máxis editados até então – foi um sucesso irresistível, um fantasma do fantasma do tecno e do acid, com títulos como “Just Fucking”, “Titty Fuck” e “Your Place Or Mine” capazes de colocar a pista de dança na mais completa desordem. “Mouth to Mouth” é a continuação aguardada há muito depois de “Just A Man / Just a Woman”, disco dividido a meias com Ellen Allien e experiência relativamente falhada. Música definida algures como “a digital chainsaw melting over a 4/4 pulse”, corresponde exactamente a essa descrição no lado A, com picos distribuídos de forma estratégica por toda a extensão da faixa que sugerem ao ouvinte um estado de euforia controlada, como um vulto espectral a mover-se nas sombras da claridade turva que precede o início do dia. No lado B, “Hot Air” é o complemento natural para o entusiasmo entretanto gerado, com um ritmo circular incorporado sobre um gancho de baixo eficaz, repetido e acelerado de forma sistemática. Audion gere as expectativas criadas nas horas de maior tráfego das pistas de dança de forma simples e eficiente.
O novo máxi do chileno Ricardo Villalobos está nos antípodas de “Mouth To Mouth”. Cerebral – talvez demasiado – arrisca um manifesto de minimalismo quase paralisante, que eleva a noção de repetição ao extremo e conduz o ouvinte a uma reacção emocional extraordinária, algures entre a estupefacção e o deslumbramento. Dividido em duas partes por questões de espaço físico do vinil, porque na verdade é tudo uma faixa só, "Fizheuer Zieheuer" é a arma secreta e misteriosa com que Ricardo terminava os sets no Verão passado e surge agora finalmente identificada e disponível em disco. A fórmula não anda muito longe da remistura que Ricardo fez para “Electrolatino” de Señor Coconut, com a secção de metais a aparecer de forma inesperada, como se surgisse de uma outra faixa, para de repente passar a assumir o papel principal. A essência do tema resume-se a trinta segundos que se desenvolvem por volta do quinto minuto – o que poderia indiciar que o resto do tempo seria simplesmente decorativo – mas que sempre lá estiveram. Paradoxalmente, esses momentos preciosos não poderiam existir da mesma forma sem esse frágil equilíbrio anterior e o desenlace posterior que conduz ao clímax que, sabemos vinte minutos depois, nunca há-de surgir. Alguém falou em "Fizheuer Zieheuer" como a faixa mais hipnótica de sempre a aparecer numa pista de dança e é capaz de ter razão. Villalobos termina 2006 da mesma forma que “Sieso” terminou 2005: com o melhor tema do ano.
Isolée é o alemão Rajko Muller, tipo veterano e já careca que no ano passado editou “We Are Monster”, híbrido electro, tecno-house, minimal, capaz de convencer os putos indies de que a música electrónica de dança poderia ser mais do que simples divertimento. Para esses, arrisco eu, “Hermelin” sabe a desilusão. Para todos os outros também. Acima de tudo por causa de “Sleazy Bee” – faixa em que Muller se aventura no electro sintetizado típico do início da década de oitenta, mas onde, por uma vez, lhe falta o golpe de asa capaz de produzir ouro a partir da poeira cósmica. No lado A, “Hermelin” revela um produtor em estado de graça, com as cordas sintetizadas a seguirem, imperturbáveis, o seu rumo entre a energia bruta da batida. Sobra “Willy Skipper”, Isolée vintage a jogar às escondidas com as potencialidades da tecnologia até finalmente aparecer o beat que traz o ouvinte de regresso à terra. O resultado final revela duas faixas sublimes, capazes de justificar o preço do disco, e uma outra claramente a descair para o lado errado da música funcional e decorativa.
Jean Patrice Rémillard, dono da editora Archipel e um dos pioneiros da cena tecno minimal de Montreal, é Pheek. A Archipel é uma das editoras mais interessantes do momento, muito por causa de “Between Heartbeats” de Jesse Somfay, disco que simboliza o equilíbrio frágil entre introspecção melancólica e a vertigem da pista de dança e obra capaz de devolver as emoções a um género de música muitas vezes acusado de ser demasiado frio e impessoal. "Lignes et Directions" evita a cristalização estética que se começa a pressentir em editoras como a Minus e a Traum e é a antecipação para “En Légère Suspension”, novo álbum de Pheek que deverá sair ainda este ano. Aqui o ritmo está no sítio certo e o groove é meticulosamente construído de forma paciente. Pheek transforma um conjunto de estruturas complexas num efeito global próximo da euforia, com um sorriso tranquilo nos lábios e as palmas das mãos voltadas para cima. Tudo aqui é funk, contagiante; numa palavra, óptimo.
(texto publicado originalmente no # 4 do jornal UM)