segunda-feira, setembro 20, 2004

Joanna Newsom . The Milk-Eyed Mender (Drag City, 2004)



Joanna Newson tem 22 anos, é uma trovadora folk que substituíu a guitarra por uma harpa (instrumento que toca desde os oito anos de idade), já andou em digressão com Devendra Banhart, Will Oldham e Chan Marshall, estreia-se em disco após algumas edições em cassete e CD-R e - alto lá! - é sobrinha do mayor de San Francisco. Situação que imediatamente retira alguma consistência à condição de hippie depauperada e ... oh... cheia de problemas existenciais, que, como todos sabemos, é cláusula indispensável para conferir credibilidade a singer-songwriters em início de carreira.
'The Milk-Eyed Mender' situa-se algures entre o amor e a repulsa, entre uma manifestação artística válida e a auto-indulgência vazia de conteúdo, entre a beleza em estado puro cantada com um romantismo bucólico à flor da pele e o exibicionismo pseudo-poético de uma menina histriónica, onde nem podia faltar o som de um cravo, instrumento pretensioso por natureza. É neste equilíbrio instável entre a ternura e a vontade de ceder aos instintos inerentes à palavra “insuportável” que se destaca a voz de Joanna - uma voz infantil, à primeira audição irritante até à medula, capaz de suscitar associações com o som de unhas a raspar em quadros pretos, mas que, após a estranheza inicial, se revela o factor identificativo e primordial deste disco.
Aconselha-se o leitor deste belogue a esquecer por uma vez os instintos elementares que o impelem a abandonar 'The Milk-Eyed Mender' após a primeira escuta. Posto isso, deve aprender a programar o leitor de cds. Pretende-se, desta forma, que o potencial ouvinte passe a ignorar os momentos mais embaraçosos como, por exemplo, 'Inflammatory Writ', hino para serões de natal passados em família, cantado por aquilo que parece ser uma criança particularmente enfadonha. Finalmente deverá arrastar o sofá até à janela, esperar pela altura do lusco-fusco, optar por uma atitude contemplativa e deixar-se corromper. Pesados os prós e os contras, ‘The Milk-Eyed Mender’ é bem capaz de ser o melhor guilty pleasure de 2004.