sexta-feira, setembro 10, 2004

James Cotton . The Dancing Box (Spectral, 2004)



James Cotton é o nome de um bluesman veterano, vencedor de um Grammy Award, a quem uma grave doença nas cordas vocais impediu de continuar a cantar.
James Cotton é igualmente um dos pseudónimos do americano Tadd Mullinix, produtor de 22 anos ligado ao "fascinante universo da música electrónica".
Personagem multifacetada, Mullinix mantém vários alias, movendo-se em áreas que vão desde o hip hop mais abstracto até ao acid techno psicótico.
Conta a sua biografia que tudo terá começado com a edição de diversos 12'' de jungle hipertenso e irascível, gravados sob o pseudónimo Soundmurdered & SK-1 (Soundmurdered é Todd Osborn também dos Starski & Clutch) e editados pela Rewind! Records, label absolutamente underground que mantém em conjunto com Osborn.
A obscuridade termina em 2001, altura em que Sam Valenti (proprietário da Ghostly) não descansa enquanto não descobre o autor de uma certa demo ouvida numa loja de musica em Michigan e se sente cativado por aquela mistura de batidas abstractas e melodias clássicas. É desta forma que é editado o álbum ‘Winking Makes a Face’ (no fundo, a demo original com alterações a nível de produção), disco que marca a estreia do catálogo da Ghostly International e de Tadd Mullinix em nome individual, longe dos ambientes claustrofóbicos criados como Soundmurdered & SK-1.
Simultaneamente, Mullinix edita sob o alias Dabrye. Com este disfarce esbate as fronteiras entre o hip hop e a IDM, de forma criativa e competente, incluindo novas estruturas rítmicas sobre batidas estilizadas, linhas de baixo acutilantes e uma estrutura geral minimalista, a fazer lembrar nomes como os de Prefuse 73 ou Boom Bip, e capaz de suscitar elogios, quer da comunidade hip hop underground (os Jurassic 5 e Jay Dee estão entre os fãs), quer da crítica especializada em musica electrónica.
No entanto, tamanha hiperactividade não acaba por aqui.
Como James Cotton, Mullinix editou o EP ‘Mind Your Manners’, uma dance mix demoníaca para ‘Bang Bang Lover’ de Charles Maniers, um tema EBM clássico (‘I Seek’, incluído no EP 'State Of The Union', disco onde se começavam a revelar nomes como os de Matthew Dear ou Flexitone) e os EPs ‘Buck’ e ‘Press Your Body’, ambos - em parte - incluídos neste disco.
‘The Dancing Box’ é um álbum sombrio e subliminar, que faz a ponte entre o techno de Detroit, o house de Chicago, o new beat belga e o electro apátrida, oscilando entre temas para a pista e material mais melódico e subtil. Sendo assumidamente influenciado pelos discos da Trax, pelas primeiras edições de Plastikman e pela música feita por personalidades do house do final dos anos oitenta como DJ Pierre, Hokus Pokus ou Jesse Saunders, 'The Dancing Box' é produzido de tal forma que parece um som de uma dancefloor, filtrado pelo cérebro de um indivíduo com tendência para sofrer de tonturas e esquizofrenia. Adicionalmente, a repetição obsessiva de frases curtas que apontam de forma directa ao subconsciente do seu receptor e a utilização repetida de sintetizadores e mudanças de ritmo desconcertantes aumentam os níveis de adrenalina de forma exponencial, ao mesmo tempo que assinalam a imagem de marca do seu autor, tornando, a sua música, em algo que deveria ser imediatamente reprovado pelos apreciadores de discos lineares e organizados por catalogações inflexíveis. Na verdade acaba por ser um lugar comum, mas é inegável que Cotton utiliza os meios de produção do século XXI para actualizar o som clássico do house e do techno do final da década de oitenta, de forma alucinante/perturbada, numa dicotomia simbólica entre a alegria e o prazer vs a depressão e o stress. Ou entre a noite e o dia, se quiser ser mais objectivo. Paradoxalmente, é essa dimensão inquietante que o torna um objecto estranho dentro da pista de dança, que o transforma num disco que sobrevive fora do seu ambiente natural.
Incómodo e contagiante, 'The Dancing Box' é assim o reflexo da desordem caótica que assinala o nosso tempo.