segunda-feira, setembro 06, 2004

Homelife . Guru Man Hubcap Lady (Ninja Tune, 2004)



"Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha tecto
Não tinha nada"

Em 'A Casa'

"Homelife aren’t interested in conforming to perceived norms, to genre, to standard recording techniques, to even having a proper line-up…"


Um conselho prévio: esqueçamos as duas primeiras músicas e avancemos imediatamente para a terceira. 'A Casa' diz ao que vamos. Entre a pop, a música de dança, o jazz, a folk, a experimentação típica da era do sampler, o easy-listening, a bossanova, a tropicália, o psicadelismo ou o que se quiser, 'Guru Man' é tudo isto e muito mais, em capítulos bizarros que podem durar um tema inteiro ou em pequenas doses delirantes de apenas 30 segundos durante uma música qualquer.
Os Homelife são uma saudável anarquia de cerca de 20 músicos com epicentro em Manchester, formados em torno do baixista Paddy Steer e do vocalista Tony Burnside, e que inclui, entre outros, personagens míticas da música mancusiana como Graham Massey dos 808 State (biografia) e ao quinto álbum (há quem diga que é o terceiro, circulam versões que este é apenas o segundo. Eu desconfio que seja o quarto) revelam-se definitamente. É realmente notável a forma como, no meio do omnipresente banjo e de programações electrónicas, contrabaixos, quartetos de cordas, bongos, sintetizadores, guitarras havaianas, trombones, clarinetes, vozes afinadas, tambores de pele de cobra (neste momento este texto começa a parecer uma lista de supermercado) e mil e um apetrechos de nomes exóticos, é possível construir canções como a melhor música dos Combustible Edison feita por outros que não eles ('Heaven Knows'), momentos em que a voz furtiva de Seaming To desarma o ouvinte em três tempos ('Big Tree' é tal e qual como um gato que observa a sua presa, olhos fixos no alvo, abanando a cauda) ou exemplos de como transformar uma multidão tensa e ululante num alegre grupo de excursionistas lentamente hipnotizados pelo bater de um tacho ('Lowdell Is Missing' e 'April Sunshine').
Facilmente se reconhecem múltiplas referências (Captain Beefheart, Martin Denny, Raymond Scott, Brian Wilson, Arthur Russell, os Animal Collective, porque não?) mas por entre um conjunto de sons e ambientes diversos, os Homelife mantêm uma (in)coerência e (falta de) integridade que acompanha todo o disco. Um álbum interessantíssimo - paradigmático da heterogeneidade actual da Ninja Tune - que oscila entre o sério e a paródia, entre a genialidade e a indigência, mas que acaba por não ser nenhuma dessa coisas. Talvez descrições como "melting-pot musical" ou "caleidoscópio sonoro" se ajustassem melhor.
Um caleidoscópio. É isso.