domingo, agosto 29, 2004

Tim Hecker

Tim Hecker vive em Montreal no Canadá. Após alguns anos dedicados a experiências diversas, ligadas à sua actividade académica, onde estudou música electrónica e a interrelação entre sons acústicos, digitais e a utilização de software, editou em 2000 'Autumnumomia', sob o alter ego Jetone, na label Pitchcadet. O seu trabalho interessou a Force Inc, pela qual foi editado 'Ultramarin' no ano seguinte. Jetone é um projecto ligado ao techno mas são exactamente as suas edições em nome próprio que interessam no presente post. Até porque Jetone é um alias que parece já estar desactivado há alguns anos.

Se a sua perspectiva do techno resultou no projecto mais conhecido - principalmente através de 'Phoedra IV', incluído em 'Ultramarin' - é em nome próprio que Hecker edita alguns dos discos mais importantes dos últimos anos, algures entre a electrónica ambiental criada por Brian Eno na década de 70 e o emergente glitch desenvolvido por nomes como os dos Pan Sonic, Oval ou Gescom e divulgado por editoras como a Mille Plateaux ou a ~Scape. Tendo como ponto de partida a cultura pop, escondida por diversas camadas de som e noise gerados por computador, Hecker ganhou o reconhecimento crítico generalizado e os favores de um público rendido à sua concepção artística e a consecutivas apresentações ao vivo.

Haunt Me, Haunt Me Do It Again (2001, Substractif)



'Haunt Me' marca a estreia de Hecker na Substractif, subsidiária da Alien 8 (editora dos Acid Mothers Temple, Merzbow, The Unicorns, etc) e é um primeiro disco impressionante. Influenciado por nomes como Fennesz (referência incontornável no meio), as obras conceptuais de músicos como John Cage ou Stockhausen e a música ambiental do, já referido, Brian Eno, Hecker elabora um disco enorme, de texturas abstractas, numa espécie de drama post-rock com interferências de energia estática, drones de guitarras a fazer lembrar Rafael Toral e 'erros' premeditados característicos do glitch. Contemplativo, subtil, imperfeito, 'Haunt Me' é um excelente exemplo daquilo que, há falta de uma tradução exacta para português, se poderia designar como evocative mood music.

My Love Is Rotten To The Core (2002, Substractif)



EP com pouco mais de 25 minutos, 'My Love Is Rotten To The Core' é igualmente um excerto de um refrão inesquecível dos clássicos Van Halen. Hecker pegou no conceito de plunderphonics e aplicou-o a um conjunto de objectos relacionados com a banda dos irmãos Halen - discos, gravações de concertos, entrevistas, material de promoção, conversas acidentais disponibilizadas pelos media - e compôs um testemunho enovoado do passado, altura em que era um adolescente entretido a brincar aos guitar heroes em frente ao espelho do seu quarto. Ouvem-se resquícios de 'Ain't Talkin' 'Bout Love', entrevistas com David Lee Roth e músicas que o ouvinte preferia não reconhecer mas que afortunadamente desaparecem tão depressa como surgem na mente do manipulador do tape recorder. Mantendo intactas as premissas do seu método de trabalho, Hecker constrói um disco emocional e nostálgico, servindo-se de esboços de melodias que são sabotadas tanto pelo ruído mais abstracto como por um silêncio comprometedor. Em algumas entrevistas, Hecker revela que, mais do que um disco, 'My Love Is Rotten To The Core' deve ser interpretado como um álbum de recordações do seu autor. But, are abstract albums meant to be so personal?

Radio Amor (2003, Mille Plateaux)



Muito provavelmente o melhor disco de Hecker, 'Radio Amor' é inspirado numa viagem que fez às Honduras a bordo de um pequeno barco de um capitão chamado Jimmy, lobo do mar experiente que ocasionalmente se aproxima da costa para auxiliar os banhistas e dar boleia a algum turista em trânsito. Hecker elabora uma projecção da realidade, onde programas de rádio (vozes distantes, pianos, guitarras) parecem ser escutados através de um velho transistor - a única forma de ligação entre o capitão e o resto da humanidade. Ouve-se aquilo que parece ser o barulho de ondas, das gaivotas, do vento, da madeira a estalar no casco no barco, dissecados por entre comunicações em onda média e adivinham-se suspiros de saudade e de contemplação de uma vida solitária. Um álbum de fotografias granuladas, dissonantes e misteriosas, tiradas nos instantes de paz absoluta que antecedem uma tempestade. Tal como os discos anteriores, 'Radio Amor' não é música fácil, nem é um disco que se ouça em qualquer ocasião ou estado de espírito. Pressupõe silêncio, abandono, solidão, capacidade de abstracção e deve ser ouvido a horas tardias, de preferência com auscultadores. O que é verdadeiramente notável aqui - como na carreira de Hecker - é a forma como um conjunto de sons disconexos, que escutados em bruto se assemelhariam apenas a barulho dissonante, podem resultar em alguma da melhor música feita nos últimos anos.

Adenda: O novo disco de Tim Hecker - 'Mirages' - tem edição prevista para finais de Setembro.