sábado, fevereiro 28, 2004

LCD Soundsystem . Yeah



Capaz de incendiar pistas de dança e tapetes de sala de estar, 'Yeah' é uma música com uma estrutura aparentemente simples, baseada no fraseado 'Everybody keeps on talking about it/and nobody's getting it done' e no refrão 'Yeah yeah yeah yeah yeah yeah yeah yeah yeah', repetidos sob um ritmo circular e imparável que parece ser mais intenso a cada segundo que passa e que termina em 3 minutos de erupções sucessivamente mais abrasivas de sintetizadores sob o efeito de ácidos e em batidas absolutamente fora de controle.
O que é notável no projecto de James Murphy - co-fundador da editora nova-iorquina DFA Records - é a forma descomplexada como junta o punk, o rock, a electrónica e a música de dança numa amálgama hedonista e sarcástica - ouça-se com atenção a letra do EP anterior, o viciante 'Losing My Edge' - sem nunca perder a capacidade de agitar e subverter convenções. Como se todas as nossas músicas preferidas convergissem numa só.
'Yeah' já circula há uns tempos por vias digitais mas só recentemente está disponível em Portugal, no formato 12'' - com mais 3 versões diferentes: a estúpida, a pretensiosa e à clap-a-pella (só palmas e voz) - através da Flur.

sexta-feira, fevereiro 27, 2004

Savath & Savalas . Apropa't



É a mais recente edição de Scott Herren, longe do hip hop mutante - possível definição: as produções dos Neptunes remisturadas pelos Autechre - do seu principal projecto, Prefuse 73.

Com a ajuda de John McEntire (também dos Tortoise e dos Sea and the Cake) e a voz da catalã Eva Puyuelo, Herren refugia-se em Barcelona e produz um disco pop, acústico e bonito; simultaneamente leve, despretensioso e deliciosamente fútil. O resultado é uma música folk cantada em castelhano com influências de música brasileira, de quando em vez inebriante, quase sempre agradável mas de carácter não obrigatório.

quinta-feira, fevereiro 26, 2004

Zu . ao vivo no Maus Hábitos 04.02.22

De regresso após uma mini-férias na 'neve' - ler: a Serra da Freita com uns montículos brancos aqui e acolá sob uma temperatura glacial tem como resultado o inevitável nariz roxo até hoje. Cinco dias com pouca música; no fundo, a razão de existir deste blog. Tenho que admitir que a redescoberta dos Neptunes, ouvidos numa carripana por entre montes e vales, não é propriamente o pretexto ideal para novos posts.

Apetecia-me escrever umas notas muito breves sobre o concerto do trio italiano Zu mas aparentemente a comunidade blogueira do norte esteve presente em peso e antecipou-se. Consequência: pouco há a acrescentar ao que já foi dito, e muito bem, aqui, aqui e aqui.

Consideração lateralíssima: gosto da música dos Zu, assim, tocada com técnica. Não confundir 'técnica' com 'virtuosismo' - exibicionismo, bacoco e vazio de significado, de um conjunto de habilidades artísticas, esquecendo a capacidade criadora; a prevalência do meio em relação ao resultado.

Vejamos um exemplo inocente e cuja minha antipatia mal dissimulada ainda vai fazer com que perca alguns amigos menos tolerantes - os escoceses Mogwai. Como todos sabemos, e nem os fãs podem negar, os Mogwai têm uma fórmula. Em primeiro lugar vêm as partes lentas e, subjectivamente, bonitinhas mas monótonas. Depois de um crescendo de intensidade que pode durar o que parece ser uma eternidade, naquele exacto instante em que metade do público se baba de tédio e a outra metade acompanha as emoções à flor da pele com gritinhos (conforme a sensibilidade de cada um), vem a parte apocalíptica. As catarses, as explosões de decibeis *bocejo* completamente *zzzzzzzzzz* inesperadas. Para uns básicos tecnicamente limitados como os Mogwai, uma epifania significa apenas três/quatro coisas: amplificadores ao máximo, a mesma sequência de acordes tocada cada vez mais alto e mais depressa, show off dramático e corpos em balanço enérgico. Após a tempestade vem o apaziguamento. Baralha de novo e volta a dar. O único problema desta música é ser sempre igual. Um conjunto de emoções congeladas e prontas a usar que o artista retira de uma caixa e serve, independentemente do seu estado de espírito ou humor. Hoje é aqui, amanhã em Barcelona, para a semana em Milão, daqui a um mês noutro sítio qualquer. O truque é simples e eficaz: dar aquilo que o público quer ouvir. Mas um observador distanciado diria que o artista faz batota. Uma vigarice válida caso a música fosse uma actividade semelhante à arte da representação. Mas, como não é, trata-se de uma farsa.
Comparativamente, a música dos Zu é tudo menos prevísivel. Quem esteve no Maus Hábitos no domingo pôde assistir à demonstração, rigorosa e ao vivo, sobre como o domínio perfeito dos instrumentos pode estar ao serviço de uma música realmente provocadora, subversiva, irreverente, inesperada, devastadora. O facto de só trinta pessoas terem aguentado o concerto até ao final é - excluindo as questões de gosto - digno de estudo. Uma explicação simplista para a fuga esbaforida do público dir-nos-ia que a actuação dos Zu foi a música certa num contexto completamente errado.

I'll be right back...

sexta-feira, fevereiro 20, 2004

Blockhead . Music By Cavelight



Quem é: Blockhead é nova-iorquino, produtor nos discos de Aesop Rock e já colaborou com Murs, Slug (dos Atmosphere) e Mike Ladd.
Editora: em mais uma manobra de antecipação, Blockhead foi recrutado pela Ninja Tune. 'Music By Cavelight' vai ser editado em Abril mas já roda no habitual circuito alternativo.
Faz: hip hop instrumental.
Matéria prima: instrumentos de sopro, guitarras eléctricas, violinos, xilofones, cítaras, baixos profundos, batidas catchy e uma predilecção especial por pianos e vozes processadas de forma ... mmm... peculiar.
Pontos de contacto: DJ Shadow, RJD2, DJ Food, Hint, Madlib, hipoteticamente Amon Tobin, sem o turbilhão das percursões.
Resultado: Uma produção exemplar, groove contagiante e um sensibilidade apurada para fazer sobressair a melodia exacta no instante certo.
Conclusão: o portfolio da música lúdica e eloquente tem uma nova estrela.
Grau de entusiasmo: 'Music By Cavelight' é provavelmente o melhor disco de hip hop instrumental desde que em 1996, DJ Shadow inventou a roda.
Onde é que eu descobri este gajo: Aqui.

quinta-feira, fevereiro 19, 2004

Isan . Meet Next Life



O regresso do duo inglês, sediado em Reading, especializado em soundscapes discretas e nostálgicas. A fórmula é a de sempre, indiferente a modas e a alterações bruscas. Eu sei, tu sabes, toda a gente sabe: melodias analógicas, ritmos atmosféricos, guitarras acústicas e xilofones convivem, em diálogo sereno, com a electrónica dos Cluster circa Zuckerzeit. Num cenário tranquilo do campo britânico, o céu, cor de petróleo, desanuvia-se inesperadamente e revela um sol radioso, que envolve e aquece. Isto é a representação concreta daquilo que Raymond Scott chamou um dia - soothing sounds for babies. Ou, outra definição possível, another green world de Brian Eno. No fundo, música para piqueniques. (pausa para ganhar fôlego) A dois.

quarta-feira, fevereiro 18, 2004

æ . Bootleg



Quem são: Andrew Sharpley (também dos Stock, Hausen & Walkman) e Emiko Ota (Urban Sax).
Editora: Sonig.
Fazem: lounge tocado num elevador com decoração trash-electro-punk (hum?)
Pontos de contacto: Wevie De Crepon, Tipsy, Oleg Kostrow.
Resultado: copy/paste delirante executado por um cartoonista, analfabeto funcional e esquizofrénico, de laptop em punho.
Conclusão: nem é preciso ir mais longe, um disco que começa como o diálogo
-You know why i like music?
-No, why?
-I don't know. That's how i ask you.

só pode ser bom.
Onde é que eu descobri estes gajos: Aqui e aqui.

# 01
O que é que têm em comum 'Anything Else' e 'Margerine Eclipse'? A mesma impressão que já ouvimos esta história contada noutras ocasiões, a familiaridade na forma, o conteúdo personalizado, facilmente identificável, a intransigente confiança dos apreciadores, enquanto para todos os outros - certamente menos iluminados :P - estamos perante um caso nítido de 'xaropada sempre igual', quando não é 'cada vez pior'. A (instante metafórico) falta de novidades urgentes é compensada pelo prazer do reencontro - esperado e cíclico - com um amigo, com que (instante poético) se partilham velhos episódios do passado e (instante pessimista) memórias de dias melhores. As mudanças são insignificantes e subtis, quase imperceptíveis a olhares pouco atentos. Mas, tal como acontece com o bem-estar físico, só daremos conta da importância vital de Woody Allen e dos Stereolab quando estes nos faltarem em definitivo.

terça-feira, fevereiro 17, 2004

Cross-Talk

No Teatro Carlos Alberto - Porto

27/Abril - Evan Parker Electro-Acoustic Ensemble
28/Abril - Akosh S. Unit
29/Abril - Ellery Eskelin Trio
30/Abril - William Parker Violin Trio

A escolha é difícil - isto, partindo do princípio que não po$$o estar em todos.

Christian Fennesz

Se mais provas faltassem sobre a genialidade criativa do austríaco Fennesz - que já vi, ao vivo, numa inesquecível sessão de laptop, numa noite gelada de Março, algures em Braga - os 10 minutos que encerram este disco

dissipariam qualquer tipo de dúvidas.
Gravado ao vivo, em colaboração com Jim O'Rourke e Peter Rehberg (este também
grava como Pita, aquele faz parte dos Gastr Del Sol), 'Fenno'berg Theme' é um manto orquestral sacado de um original de John Barry - 'Moonraker' - permamentemente sabotado por blips e blops, energia estática e manipulações electrónicas que acrescentam densidade dramática a um tema já de si no fio da navalha.

Discografia seleccionada:
Hotel Paral.lel (1997)
On Plus Forty Seven Degrees 56' 37" Minus Sixteen Degrees 51' 08'' (2000)
Endless Summer (2001)
Field Recordings 1995-2002 (2002)
Live in Japan (2003)

Nota não confirmada oficialmente: diz a lenda que a fotografia da capa de 'On Plus Forty...' - que podem ver aqui, em ponto muito pequeno - foi tirada num apeadeiro da linha de comboio Porto-Póvoa.

A propósito de Fennesz, já aqui tinha dito que a Matéria Prima está em saldos? Não? É pena, porque acabaram no sábado.

segunda-feira, fevereiro 16, 2004

Telefon Tel Aviv e Trans Am


Telefon Tel Aviv 'Map Of What Is Effortless'

'Map Of What Is Effortless' não consegue superar a minha habitual desconfiança - ou preconceito - contra a pop suportada por instrumentos electrónicos a 'imitar' instrumentos clássicos. Pouco me importa que o disco tenha sido efectivamente gravado com a Orquestra de Câmara da Universidade de Loyola (belo nome, pessoal!). Os instrumentos soam sintéticos, ponto final. E melhor seria que os Telefon Tel Aviv desenvolvessem as premissas do seu excelente primeiro álbum - como fazem nos temas instrumentais do novo disco - do que investirem num r'n'b que fica a milhas das matrizes originais. De um projecto de 'música electrónica instrumental' espero música electrónica, de preferência bem feita e caladinha. Não é cá porcarias de r'n'b (com vocalistas ranhosos) que não chega a ser r'n'b (por causa dos vocalistas serem ranhosos) e que pensa que 'música lenta' e 'violinos' são sinónimos de 'música bela' e 'comovente'. Sem saber nem inspiração não se chega lá.


Trans Am 'Liberation'

'Liberation' dos Trans Am é um caso completamente diferente. Aliás, os Trans Am são, desde há muito tempo, um caso à parte. Muito espalhafatosos para quem tem vergonha de se divertir e sempre esperou que deste lado viesse a regeneração do rock. Demasiado intelectuais e profundos para quem tem a perspectiva recreativa da música como piada para ouvir ao sábado à noite e esquecer no dia seguinte (Olá, Peaches!). 'Liberation' oferece em doses reforçadas tudo aquilo que me fez gostar dos Trans Am: vozes robotizadas, sintetizadores em fogo, guitarras azeiteiras, baixos desavergonhados, calça branca e pé descalço. Quem adorou o 'TA' vai dançar ainda mais com este. Quem não gostou pode passar ao seguinte. Eu por cá vou ouvi-lo outra vez. E outra! E outra! E mais outra! Estou viciado nisto.

Yasume . Where We're From The Birds Sing A Happy Song



Quem são: John Twells (aka Xela) e Gabriel Morley.
Editora: a alemã City Centre Offices.
Fazem: electrónica planante e atmosférica.
Pontos de contacto: a melancolia micro-rítmica dos Metamatics, as soundscapes pré-electrónicas dos Tangerine Dream e os ambientes soturnos da música de Angelo Badalamenti.
Resultado: o disco não é brilhante embora ocasionalmente - como em '2112 Crescent Heights' ou 'Slowly, Clearly And Calmly' - atinja o mais alto grau da perfeição.
Conclusão: ideal para frosty mornings and summer nights.

sexta-feira, fevereiro 13, 2004

The Music Test Nerd
A nice quiz.
Resultado: 30 e picos por cento. Conclusão: Ainda tenho cura. (a verdade é que, para o final, o teste torna-se um tanto ou quanto parvo e repetitivo e eu comecei a aldrabar nas respostas :P)

Villalobos



'Alcachofa' foi um dos melhores disco editados no ano passado. A (não vou dizer) simbiose (já disse) perfeita entre techno, microhouse, electrónica minimal e click'n'cuts. Música essencialmente rítmica, executada por máquinas com sentimentos dentro. (yada yada yada... mas, desta vez, garanto que é verdade)

Posto isto não me admira que o painel mensal do DN+ - exceptuando Isilda Sanches - tenha despachado 'Alcachofa' com notas que, não sendo más, pouco significado têm. 'Alcachofa' é um disco demasiado precioso para ser desperdiçado como som de fundo entre conversas e bolos de chocolate. Não interpretem isto como uma queixa; é a simples constatação de um facto.

My Bloody Valentine



Originalidade: recentemente voltei a ouvir o 'Loveless' dos My Bloody Valentine. Eu e provavelmente toda a gente que viu o 'Lost In Translation' e aprecia os MBV. 'Loveless' é um disco que, mais do que há frente do seu tempo (o que também é verdade), estava à frente do meu tempo. No início dos anos 90, aqueles drones, samples e loops estranhíssimos soavam-me inatingíveis (e o facto de ter ouvido pela primeira vez o lp em 45 rpm em vez das indicadas 33 também não deve ter ajudado nada) habituado que estava ao velho e banal (reconheço-o agora) indie-rock contemplativo e pessimista. Algo impossível de identificar nas melodias distorcidas e desfocadas/deformadas de 'Loveless'. A verdade é que até hoje nunca mais ouvi duas guitarras + um baixo + uma bateria + samples + 2 vozes em modo i'm so fucking sad soarem daquela forma. Apesar da indietrónica recente se ter aproximado o mais possível do padrão (atenção: vem aí uma piada) ISO-MBV. Sem sucesso, claro. Sem o caracter e o génio dos visionários a única coisa que resta é a cópia, mais ou menos inspirada, de um estilo.

Considerações laterais: Será que os MBV fizeram alguma vez música única? Será 'Loveless' o melhor álbum do ínicio da década de noventa? Terá Miguel Esteves Cardoso razão quando escreve que a música pop é uma música do 'momento'? Sim, sim e sim, excepto no caso de 'Loveless'.

Últimos vícios



Depois de ouvir 'Unfortunately' ninguém diria que Dwayne Sodahberk é um dos elementos chave do tecno minimal sueco. (curiosidade:a música de Sodahberk é utilizada em anúncios publicitários para algumas marcas que simbolizam a elegância nórdica, como a Saab ou a Absolut). Imaginem Manitoba um pouco mais domesticado, os The Notwist com o dobro do talento ou os Múm sob o efeito de anfetaminas. Já imaginaram? Agora esqueçam isso tudo e tentem-se concentrar num som ambíguo: demasiado electrónico para os indieheadz e muito pop para os electro fans mas, por isso mesmo, susceptível de agradar a uma larga franja de público. Como escreve o cronista da Absorb, ''unfortunately' is what happens when everyone goes out and you stay home'. Mais prosaicamente diria que se trata de um disco muito recomendável que - como é habitual por cá, quando discos deste tipo não são editados pela Domino - se arrisca a passar despercebido.
Top 4: 'No Fun', 'Blow', 'Bird' e 'Set'.



Agoria é Sebastien Devaud, DJ francês que aqui faz a sua estreia. Pensem só nas coisas boas dos Daft Punk, de Etienne de Crecy, de Demon, de Cassius, de Detroit, de Ibiza. Pensem em house cheio de filtros, em electro euro-trash ultra-cool, em Tricky (que participa num dos temas), em DJ Hell, em Laurent Garnier, em Underworld, em pistas de dança rocky, funky, sexy. Se o objectivo é festa, 'Blossom' é um winner que apenas fraqueja quando os bpm's baixam e se aproximam do formato canção. Tivesse exactamente menos duas canções - 'Worth It' e '2thousand3' - e era um disco essencial. Assim, em tempo de subtilezas mornas, é 'apenas' um disco com uma energia fora do normal, aparentemente inesgotável.
Top 4: 'Stereolove', 'Presque Un Ange', 'All I Need' e 'Kofea'.

A new beginning...